sábado, 22 de janeiro de 2011

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                Casados há 13 anos, resolveram que era chegada a hora das tais famosas férias conjugais. Haviam visto na novela que os ricos faziam isso, para reacender o relacionamento, sentir o gosto da saudade, respirar um ar que não tivesse sido expelido pelos pulmões do(a) parceiro(a).
                Ele agendou na empresa, com dois meses de antecedência. Ela, "do lar", não precisava agendar nada. Bastava reunir umas poucas roupas, dobrá-las de uma maneira que não amassassem muito, colocar sapatos em uma sacolinha de supermercado, escova de dentes na bolsa.
                Ele foi às compras. Afinal era do tempo da sunga e hoje em dia só se usa bermudas. Precisava também de uma nova camisa, que combinasse com a nova bermuda. E, já que estava ali mesmo, por que não leva a sandália, senhor?
                Na data combinada, ele deu-lhe um longo beijo na testa, virou as costas e entrou no ônibus, com destino à praia onde passara toda a juventude e com certeza haveria algum conhecido que o acompanhasse às farras que já tinha em mente, mesmo tendo jurado por tudo que era sagrado que se comportaria.
                Ela ficou com o carro. Iria para uma pousada em meio ao verde e planejava descansar, andar por trilhas que não fossem lá muito longas e ler. Claro, banho de sol e piscina.
                Foi aí que ela se deu conta de que tinham três filhas. Os planos de viagem foram feitos de maneira conjugal, mas nenhum deles sequer se lembrou de que as meninas teriam que ficar com alguém. A mãe que morava no quartinho dos fundos, já que adoentada não poderia ficar sozinha nem cuidar das crianças, também estava ali. Quatro mulheres, dos 8 aos 80 anos ali, encarando-a.
                Ligou para a pousada, pediu um quarto maior, fez as malas de todas, comprou mantimentos no mercado, acomodou-as no pequeno carro, partiram para lá longe, para as férias.
                Ele chegou à praia e após deixar as malas na casa que fora desde sempre de sua família e onde passara a lua de mel, saiu sem rumo, bermuda florida com a etiqueta esquecida pendurada, camisa nova desabotoada. Passou pelo bar do Betão, que não existia mais. Nem o bar nem o Betão, que morrera em um trágico acidente anos antes. No posto dos salva-vidas, encontrou o Efraim, de sunga, tatuado, brinco na orelha esquerda, aliança no dedo. Efraim apresentou-o a um "sobrinho" igualmente tatuado, de sunga, brinco na orelha, aliança no dedo. Por meio deles ficou sabendo que aquela parte da praia "deles" era a parte mais decadente do litoral. Muitos dos que ali moraram haviam se mudado para outros lugares com maior estrutura, outros haviam abandonado a vida a beira-mar e hoje viviam no calor sufocante das grandes cidades. Ele, Efraim, passava ali somente alguns dias a caminho de outras praias mais chiques e com gente bonita. Despediram-se e ele voltou para casa, decepcionado.
                Subir a serra para atingir o cume da montanha onde se encontra a pousada escolhida foi um martírio. O pobre carrinho, cheio de gente não necessariamente modelos de passarela, roncou, enroscou marchas, quase ferveu mas, depois de 2 horas de viagem, chegaram. O quarto era espaçoso, com camas bem arrumadas, televisor, cozinha e banheiro com banheira. A  vista simplesmente magnífica. As meninas não tiveram dúvida: colocaram os minúsculos biquínis e caíram na piscina. Fora elas, somente um outro casal de idosos estavam ali, assim tinham espaço de sobra para correr, cansar e se divertir.
                 A hora de comer chega em qualquer lugar do mundo e lá se vai ela para a cozinha, assim como fazia todos os dias em casa. Preparar a comida, servir, recolher os restos, lavar a louça e depois, claro, assistir à novela. Enfim, cansada, dormir.
                Ele bem que tentou ligar para o celular dela, para saber se estavam bem. Não haviam combinado de não se falarem? Mas a saudade aumentava na mesma proporção que a tristeza, causada pela decepção com um lugar que na realidade só existia em suas memórias juvenis. Não existia mais nada ali que fosse como era antes. Mesmo a casa, antes sempre arejada pelo uso contínuo, lembrava uma tumba, bolorenta, o angustiante cheiro de maresia estagnada. Foi quando resolveu tomar uma chuveirada que percebeu que ali realmente não haveria como ficar. Como ninguém aparecia mais ali havia anos, a água fora cortada por falta de pagamento. Também não havia energia, a porta dos fundos não trancava direito e o vento, passando pelas frestas do telhado mal-conservado, fazia barulhos horríveis durante a noite.
                Optou por voltar a sua casa no dia seguinte. Um dia longe dela e já sentia sua falta. Mesmo os planos de uma escapulida por coxas outras que não as dela caíram no esquecimento...
                No dia seguinte, enquanto ele se encaminhava para a rodoviária para tomar o ônibus que o levasse de volta a sua vida real, ela servia o café da manhã, lavava a louça, colocava o feijão de molho. Os remédios da mãe, a birra da menor que queria andar a cavalo, a do meio esperneando para conhecer a cachoeira, a maior absorta no celular sem sinal, praguejando baixinho. À hora do almoço, servir, juntar os restos, lavar a louça. Tudo exatamente como em casa, porém com duas diferenças: ele não estava ali e estava pagando por hospedar-se em um lugar afastado de tudo e de todos, trabalhando como se estivesse em casa. Perto das seis da tarde mandou todas arrumarem suas coisas, pois voltariam para casa.
                O reencontro dos dois, apenas dois dias distantes um do outro, foi muito parecido com aqueles tempos em que eram somente os dois. Ele viu que chegavam e foi abrir o portão, como há tempos não fazia. Ela desceu do carro e encostou-se contra a porta fechada, enquanto as meninas ajudavam a avó a entrar em casa. Ele chegou devagar, olhou em seus olhos com paixão. Ela enlaçou seu pescoço, inclinado a cabeça e buscando os lábios de seu amor  com um beijo adolescente, desajeitado, saudoso...
                Nunca mais tiraram férias do amor um do outro.
               

3 comentários:

Lisia disse...

Adorei o texto. Em especial o trecho em que fica claro que filhos (no caso filhas) são problema da mãe. O pai lépido e faceiro virou as costas e se mandou, quem lembrou das meninas foi a mãe. O texto é romântico, tem final feliz...Que bom!

Flávia Braun disse...

Gostei muito!
Apesar do 'machismo' imperando no texto ( rsrs ) , é de um grande romantismo.
Nada como sair da 'rotina' e decobrir, aos trancos e barrancos, que o melhor da vida é exatamente essa 'rotina' com quem amamos.

bjs!

Andrezza disse...

Duas coisas me chamaram a atenção e me tocaram de verdade no seu ótimo texto. Uma é essa nostalgia que temos e insistimos em carregar ao longo da vida, de que antes éramos mais felizes, mais livres, mais leves e a ilusão de que podemos voltar a esse tempo. Imagino que para os casados isso deve ser um incômodo ainda muito maior, rsrs...
Outra é o complemento desse raciocínio. De como as vezes pouco valorizamos as pequenas coisas, a rotina, o cotidiano, a pessoa e as circusntâncias que escolhemos para nossas vidas, e não valorizando, não aceitamos totalmente essas escolhas. Aí, lá vem a nostalgia nos atormentar... História sem fim? Talvez as férias sejam uma boa alternativa, rs.
Adorei o doce final do conto!
Abraços,
Andrezza.

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