segunda-feira, 25 de outubro de 2010

postheadericon casual

Pode-se encontrar com uma das várias gangues que enxameiam a pestilenta madrugada, violentas e despreparadas para a vida.

A presença constante de facilidades para prazeres mundanos.

A noite é, pois então, mais um adolescente descobrindo novidades; assim como todos que atravessam escuras horas a procura de verdades que a luz do dia esconde.

Pois eis-me empreendendo uma nova jornada a procura de algo ou alguém, que me entretenha até mais um novo dia. Caminho só; caçada em bando é algo para lobos e não me considero parte da alcatéia. Aqui por esta movimentada avenida, tantos outros como eu buscam o mesmo  prazer.

Entro em um de seus infernos terrenos, para uma boa dose de conhaque. Está frio e meus pés sentem a necessidade de um calor que par de meias algum pode fornecer. Sento ao balcão, peço meu trago e ouço, ao fundo, acordes de algum novo sucesso, copiado de outras noites já falecidas de minha vida.

Um conselho: quando for a um bar, sente sempre ao balcão. Não existe lugar melhor para se ver e ser visto. Mesas são para casais que se formaram durante os dias. Amantes noturnos exibem-se em balcões de bares...

"Faz tempo que não lhe vejo por aqui" -- diz ela que acaba de chegar.

"Sim. Estava em viagem. Voltei há pouco. Senta, bebe comigo."

Whisky. Mulher que bebe whisky é sensual. Como aquelas que bebem cerveja são alegres. As dos coquetéis não gosto: muito comportadas. Refrigerantes então, me põe para correr.

"Então, trabalhando muito?-- me pergunta, enquanto meço cada centímetro daquele busto semi-aparente por entre cortes bem ajustados de tecido leve.

"Sim e não. Tive trabalho fora da cidade e aproveitei para descansar uns dias longe do frio. E você, não estava por acaso de namoro com F...?" --  "diz que não!"-- penso e rezo.

"Foi algo passageiro. Nada demais..." --  me responde com a boca úmida pela bebida...os lábios roçando a borda do copo. Ela sabe que sempre tive lá minha queda por suas curvas. Não teria como não perceber meus olhares quando passa por mim, em outros encontros pela noite.

"Tem planos para logo mais? Digo, a noite está apenas começando." -- Gaguejei? Com certeza.

Ela encosta, roça, suas maravilhosas coxas nas minhas e me encara, com certa estranheza no olhar. Com certeza aquele não era o primeiro whisky.

"Me diz o que faremos. Estou em suas mãos. A não ser que você já tenha algo melhor para fazer..." Gargalho por dentro, mas sobriamente, fazendo pose respondo:

"Não. Nada melhor nem pior. A noite é sua"

Saímos. O vento começou a soprar mais forte e ela se aconchega a mim. No táxi, o primeiro beijo. Mãos que correm tateando umidades.

"Mais uma bebida?", pergunto educadamente ao chegarmos em casa. Posso estar com minhas vontades à flor da pele, mas deve-se ser polido, sempre. Ela recusa e me abraça. Me beija. Encosta seu corpo em minha dureza.

Bocas coladas, peças de roupas arrancadas, tropeços em direção a cama. A simples visão daquele corpo perfeito e despido me torna selvagem. Beijo-o todo. Lambo. Penetro. Variações não programadas. Gozo.

Ritual: minutos abraçados, respirações apressadas. Banheiro. Cigarro.

Nada de "foi bom para você?". Sabemos e sentimos que foi. Hipocrisia não cabe em adolescentes noites.
"Te ligo mais tarde", digo mentindo. "Não, não liga. Deixe que seja uma nova surpresa, em outro bar"

O sol já está despontando quando finalmente parte.

À  luz do dia já não parece a mesma pessoa, com sua maquiagem borrada.

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Originalmente publicado em "Uns & Outros" -- 2009 -- ISBN: 978-85-60864-23-2
terça-feira, 12 de outubro de 2010

postheadericon funil


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des
da-
Sau-
Não
des?
lida-
sibi-
Pos-
dos.
gura-
amar-
trados
tados, cas-
cada vez mais aper-
ção ao nada. Ficamos
nil vai-se estreitando, em dire-
do dia. Com o passar do tempo o fu-
deixando ao cargo da vontade o tingimento
ponsabilidade, sonham sua vida sem cores definidas
felizes porque, ao contrário de nos, ditas pessoas de res-
os sonhos caibam onde acharmos por bem tê-los. Crianças são
mos com todas as possibilidades, com tempo, com espaço para que
--> A vida é um funil emborcado, com seu bico apontando para o céu. Nasce-
domingo, 10 de outubro de 2010

postheadericon quatro cavaleiros

A bordo passageiros simplórios,
Donos das verdades, mentirosos contumazes,
Ladrões de casaca, defensores de que humanidade?

Entrem e se acomodem, por favor
Partiremos em breve para logo ali
Perto de todos, longe do povo
Todos a bordo!

Acomodados? Felizes?
Tomem mais um uísque!
O carrinho com doçuras logo passará.
Assim que a viagem começar.

Tudo certo, estamos nos trilhos
Preparamos manjares deliciosos
Comissária, tranque as portas
Nosso baile logo começará.

O destino é de todos desconhecido
Menos a mim, assim me tenham como amigo
Aqui apareci somente para livrar o mundo
Limpa-lo de vocês, pobres imundos.

A Conquista é quem vos fala
A Guerra é quem lhes conduz
A Fome poderia ser vosso nome
A Morte é vossa aprendiz

No apocalipse de ilusões medíocres
Pensam que estão a salvo?
Serão eternamente dominados
Por todos os sete grandes pecados

E aqui se inicia a punição
Por todos os crimes já cometidos
Queimaremos neste vagão
O poder desmedido
O dinheiro indevido
O saber comprometido
O ego puído.

Que assim seja...
sexta-feira, 8 de outubro de 2010

postheadericon memórias

 Antes do sol nascer e banhar com sua luz mortiça a janela envidraçada e suja, eu já estava acordado. Não deixei o despertador tocar, pois hoje não queria me levantar, trabalhar, aguentar as pessoas que me desprezam na mesma proporção que eu as desprezo. Resolvi que merecia um dia de folga e depois do sonho que me perseguiu a noite toda achei melhor mesmo nem sair da cama. Melancolia profunda, causada pelas recordações em forma de balões e doces caseiros, de pé no barro e brincadeiras que hoje são tratadas como uma deformação de caráter pelos psicólogos infantis.

Lembro de estar de volta à infância, calças curtas e joelhos esfolados de alguma queda, a sensação estranha de minha velhice dentro da pequenez de um corpo que já fora meu um dia. Como era difícil alcançar o espelho do banheiro e tentar domar os cabelos sempre em desalinho. A fantástica descoberta de um inseto a ser espetado, os amigos imaginários que viviam dentro dos bonecos e carrinhos de plástico barato com suas peças que, uma vez desencaixadas, nunca mais voltavam às suas posições originais. O café com leite com nata boiando, pão com manteiga de lata.

Acordei sobressaltado, empapado de suor, com um aperto no peito que quase me fez chorar, como não fazia desde sei lá quando. Anos de olhos secos, que não mais se maravilham com a vida chata e descolorida. Sentei na cama e enquanto acendia o cigarro memórias intensas desfilaram pela fumaça. Rostos e nomes completos, de amigos que tive em meus tempos de escola, quando pensamos que o amanhã é tão longe que só chegará depois de amanhã, talvez somente semana que vem. Onde será que foram parar os zés e marias de minha vida?

A cada novo rosto que me surgia na mente, sentimentos intensos me faziam o corpo velho que já esteve dentro de carnes macias e saudáveis tremer. Aquela menina, a Andréia, com acento, que me ensinou a desenhar passarinhos. O Diogo, parceiro de muitas artes, que uma vez fugiu de casa comigo. Fugimos para a casa dele. Na semana seguinte, ele fugiu para a minha. Morreu cedo, pelo que sei. O Robertão, gigante de nossa turma de segundo ano primário, metia medo em nossos desafetos mas chorava escondido a cada surra que o pai lhe dava. A Eliana, que gostava de brincar de coisas que nos diziam para não fazer, como aquela coisa de ficar com figa e, se pego sem a tal, era obrigado a beijar alguém à escolha do afortunado autor do flagra. Gente, gente, gente. Minhas gentes, distantes nos tempos e ausentes de mim por décadas. Por quê vocês voltaram hoje?

Estendi-me na cama novamente, acendi outro cigarro e ali fiquei por horas, fumando minha vida. Batendo cinzas de saudades incômodas no copo da mesa de cabeceira. Perdido em histórias que pertencem a tantos eus, que em certo momento ficou difícil distinguir qual fase de minha vida realmente estava acontecendo. Em um momento, as calças curtas, em outro a arrogância do jeans rasgado. Mais adiante, o desamor e a ganância, o terno de risca com camisa azul e punhos brancos.

Pessoas confortam-se com suas memórias, como a solitária viúva que espalha pela casa fotos de amor levado pela Morte ou a mãe que leva flores ao túmulo do filho. Eu simplesmente deploro minhas memórias. Me fazem mais velho e mostram o quão inútil fui em minha vida. Conseguem o que ninguém conseguiu: que eu me deteste.

Pelo meio da tarde tomei um banho e foi só com grande perseverança que atingi a altura do espelho para me barbear. Minhas pernas, acostumadas à cadeira de rodas não suportam meu peso muito bem. Ao me apoiar sobre a louça cara da pia, tudo veio abaixo e entre estilhaços de memórias que voaram para todos os cantos do piso frio, um atingiu minha garganta, por onde sangue jorra com prazer. Por aquele mínimo orifício escorre minha vida e, para ser sincero, nem fiz menção de tentar contê-lo. 

Um acidente oportuno, que fez de mim uma memória pálida em sua vida. 

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