sexta-feira, 19 de novembro de 2010

postheadericon Planitude

Nasceu pequeno e chato. Realmente plano, um ser em 2D. Sua mãe, uma cartunista de profissão e lambe-lambe por hobby e prazer, sentiu-se realizada ao receber das mãos do médico aquela imagem viva que era seu filho. O apogeu de uma carreira!

Logo cedo estampou capas de revistas, nas mais variadas posições, menos em perfil, pois aí simplesmente desaparecia...

Cresceu, tornou-se ator e no cinema brilhou. Se a vida fora das telas era, em alguns momentos, constrangedora em sua estranheza 3D, as telas planas, de puro algodão, o deixavam extremamente confortável. Um mundo seu.

Um dia conheceu uma jovem atriz. Encantou-se com ela. Amaram-se em CinemaScope e Dolby Stereo, para delírio da platéia.

Depois de meses de tórrido amor, romperam barreiras e juntos fugiram para um espelho qualquer, um desfalque de elenco até hoje comentado pelos críticos.

Segundo algumas revistas de fofoca estão felizes lá do outro lado, onde já possuem uma pequena coleção de criancinhas em 3x4.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010

postheadericon regras

Encontraram-se como o combinado. Às onze da noite, a lua cheia subindo no horizonte, imensa e gorda, a árvore fazendo sombra dentro das sombras, o banco de sempre. Se alguém dissesse que era um clichê realizado, os dois estariam completamente de acordo: conheceram-se ali, namoraram ali, trocaram juras de amor eterno ali, entregaram-se a desejos íntimos e apressados, ali. E ele a pedira em casamento nesse mesmo local, ali...
Chegaram, desta vez, de lados opostos da praça. Ela vinda da antiga casa onde partilharam a vida, realizaram os sonhos possíveis e sofreram pelos impossíveis. Ele, subindo a passos largos pela alameda central, vinha de sua nova casa, além dos muros do cemitério da cidade.
Ela sentou-se, as lágrimas escorrendo pelas gretas formadas pelas rugas que os anos lhe presentearam. Ele, de pé a seu lado, tinha a mesma aparência dos anos dourados, quando ficara famoso pelo pé-de-valsa que encantava as moças pelos salões de baile.
"E aqui estamos, amada minha..." -- pensou ele, dentro da mente dela.
"Viestes me buscar, meu amado?" -- respondeu ela, com todas as saudades expostas em seu rosto antes tão bonito.
"Não, não vim. Estou aqui por vontade e pelo combinado que uma dia acertamos. Vim lhe dar prova de que persisto e te espero."
Escondeu o rosto desapontado com um de seus lencinhos bordados. Queria ir com ele e viver a eternidade a seu lado, como tantas vezes planejaram. Ou melhor, ela havia planejado, já que ele, completamente descrente das magias da vida, só prometeu que compareceria a esse encontro porque ela se zangara com sua pouca fé. E aqui estavam, quase podendo se tocar e ao mesmo tempo tão distantes.
"Julia, minha vida e minha querida, precisas entender que existem regras que não posso quebrar, mesmo por ti."
Desde que ele se fora, ela pensara várias vezes em tirar sua própria vida. Não o fizera por saber dessas regras, por vezes tão... Desumanas! Ele se fora há quase quinze anos e para ela pareciam quinze minutos infinitos de dor.
"Julia, minha amada, precisas voltar agora."
"Não quero!" -- disse ela, com a raiva despontando nos belos olhos violetas, hoje embaçados pela idade -- "Vou ficando aqui, onde ao menos ainda posso sentir tua presença".
"Não podes, Julia.." -- ele tentou tocar-lhe a face, mas seus dedos a atravessaram como fumaça -- "Tens que voltar. As regras, tu as conheces. Os médicos estão te chamando e enquanto tiveres o sopro da vida em teu corpo, precisas viver. Por mim!"
Sim, ela sabia que a estavam chamando. Sentia os socos em seu peito e o calor dos medicamentos a envolvendo. Súbito partiu, com a dor do choque que lhe aplicaram ao peito.
Julia viveu ainda o suficiente para ver a neta grávida. Quando nasceu o menino, puseram-no o nome de Raul, em homenagem ao avô falecido a tantos anos. E Julia teve a certeza de que não se encontrariam mais, como o combinado.
As regras, sempre elas...

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