terça-feira, 31 de agosto de 2010

postheadericon acidente

Olha moça, eu posso até contar como aconteceu, mas não vai adiantar nada. Sou apenas um traste, um dos muitos neste cidadão imenso, a tal capital, lotando cruzamentos com nossas bala, flor e carregador de celular.

Ninguém dá valor prá gente -- a não ser quando a gente tem garrafinha de água para vender e o trânsito para --, quanto mais ouvidos.

Naquele cruzamento deveria ter um semáfro. Eu já havia dito isso antes, mas não mando nada e ninguém presta atenção na gente.

Vai aparecer em que jornal isso? Preciso lembrar de pedir pro meu moleque gravar isso pra mim. Famoso por um dia, né? Coisa de pobre. Mas sou pobre e honesto e não custa nada deixar gravado pra mostrar pros vizinho.

Bom, voltando ao assunto: O caminhão desembestou lá em cima, perto daquela placa amarela que a senhora pode ver ali em cima, ó. Tá vendo seu câmera? Não, do outro lado! Essa mesma!

Pois é...ele veio correndo de um jeito que a gente, acostumado a ver acidente aqui já sabia que ia dar mer...quer dizer...ia dar pobrema.

O carro da madama ali tava certo sabe? A preferencial é dela e quem cruzou foi o caminhão. Mas também não custava nada o motorista dar uma paradinha e espiá antes de cruzar.

Não moça. Ninguém sabe direito onde o motorista do caminhão foi parar. Assim que ele viu a mer...quer dizer...a besteira que ele aprontou, deu no pé.

É, fui eu que tirei a criança do banco de trás sim. Tinha muito sangue, mas quando me enfiei no meio dos ferro deu pra ver que o sangue todo era da mãe, deus a tenha.

Os bombeiro estavam ali ó, do outro lado do rio. Até eles dar o retorno e voltar aqui, com esse trânsito todo fud...quer dizer...parado, a menininha podia ter morrido. Já pensou se pega fogo nisso tudo aí?

Ah sim...eles me disse que está tudo nos conforme agora. A mãe não viveu mesmo. O motorista delas também não.

Mas a menininha essa eu salvei. Deus tava comigo no momento se é que a senhora me entende.Parece que o pai dela já foi lá pras Clínicas buscar ela.

Recompensa? Não moça. Não quero nada não. A gente faz o que a gente pode e se não for para ajudar os outro, melhor nem viver não é mesmo?

Mas bem que a senhora podia ajudar a gente e comprar umas balinha...prum sobrinho talvez? A caixa toda?
Por quê você tá chorando moça?

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Originalmente publicado em "Uns & Outros" -- 2009 -- ISBN: 978-85-60864-23-2
segunda-feira, 30 de agosto de 2010

postheadericon ato

Te odeio e te quero
Um desespero em forma de desejo
Um sincero 'te amo' que não mais respeito
Uma traição, uma faca, teu sangue em minha mão.

Te sinto ou será que minto?
Um corpo tinto de vermelho vinho
Batidas descompassadas, logo falham
E para o além te conduzo, rezo pragas em teu fim

Te odeio ou será que sinto?
Para um amor desesperadamente cínico
Uma mensagem deixada ali, propositalmente
Tuas marcas sujas, teus erros tolos, tua maldade ambígua

Te quero e não mais te sinto.
Nada mais agora que um objeto inanimado
Uma reles lembrança do passado recente, proibido
Me vejo sujo; lágrimas correm, lavando resíduos e fluídos.

Quero desesperadamente sentir e odiar o mentir
Não foste verdadeira comigo, tiveste o castigo
Não admitiste teu erro, querendo por outro me substituir
Agora voa sozinha, pela eternidade, fria, escura, merecida.
domingo, 29 de agosto de 2010

postheadericon vai...volta

Não te quero, desejo
Um abuso no qual me deleito
Um péssimo conceito
Alienado de sentimentos
Aliado aos sofrimentos
Te quero, não quero
O sabor do teu frescor
Podre quando vem a dor
Vai e não volta
Se me deixa, desespero
Se parte, me judia
Me sangra, me corta, me cospe
Alucina enquanto definha
Me come enquanto te tenho
Te tenho, enquanto me devora.
Rompe o selo que me aprisiona
Em teu peito, caverna escura
Diz aquilo que não quero
Me chama de teu
Me ama.

postheadericon A Visão Utópica

Daqui quem sabe talvez uns 20 anos a humanidade tenha alcançado seu apogeu: o dinheiro deixará de ser tão importante e por isso mesmo os crimes traçarão uma curva descendente até a nulidade, os políticos trabalharão em pro do bem-estar comum, as guerras por interesse se extinguirão.

Nesse cenário as religiões, outro tema dominante nas mesas de Paz que promovem a Guerra, serão substituídas pela fé unica na vida.

Ódio racial, controvérsia religiosa, opção sexual, nacionalidade e outros fatores de violência serão apenas memória coberta por pó.

Bonito isso não? E impossível, infelizmente.

Como dizia Rosseau, "A humanidade tem dupla moral: uma que prega, mas não a pratica, outra que pratica, mas não prega".

Acho bonito a exposição de sentimentos bons. O padre que prega em seu sermão que somos todos iguais é o mesmo que acaba sendo preso por pedofilia. O pastor cumpre pena por desvio de verbas de seus fieis. O xeique pede o pescoço do rabino, que abençoa aos filhos de Israel a caminho de mais uma ofensiva em território inimigo. É hipócrita a postura dos líderes religiosos que pregam a paz, desde que você esteja a seu lado. Assim como é hipócrita a postura congelada de que somente o que está escrito em um livro de autoria duvidosa (Pausa: se não há dúvidas quanto aos ditos Livros Inspirados - seja de qual religião - por quê então existem tantos apócrifos? Ou como não sobreviveu nenhuma versão "pura"?) seria verdadeiro.

Claro que nosso mal maior não são as religiões, embora intimamente eu creia que realmente sejam.

A política, seja internacional ou não, fomenta a desgraça. Nada mais é executado por um governante se este não tiver em mente que a matemática entre fazer e gastar esteja relacionada puramente ao voto futuro ou ao próprio bolso. Nada além disso.

A utopia de uma vida honesta só virá quando chegarmos ao fundo do poço. Quando o cachorro de seu vizinho entrar em seu jardim e a opção mais simples para resolver a questão seja um tiro de fuzil na cabeça do bicho. Para isso - e pior - caminha a humanidade.

Hoje em dia estamos "a meio pau". Suportamos uma carga de desgraças causadas pelo homem de maneira indiferente (na maioria dos casos) e sempre procuramos alternativas para nos acomodarmos em novas situações. É o tal "rouba mas faz" da política ou o "olho por olho" da religião.

Dizem que fiolosofia é a arte de pensar....inutilmente. Os que assim pregam são aqueles que preferem a ação. Pois se mesmo em seus filhos você pode notar que uns são de ter ideias enquanto outros são executores desmiolados, que se dirá então da humanidade como um todo?

É preciso reflexão por parte de uns - principalmente daqueles que são formadores de opinião - para que outros, mais afeitos à ação sejam capazes de agir em um caminho concreto.

Estamos em uma involução completa nas artes: "instalações" que na minha infância seria chamada lixo, poesia que rima merda com amor, música cacofônica e sem algo a dizer. Salva a fotografia, que ainda sobrevive mostrando o que é realmente belo. Culpa de quem? Nossa, em uma reta de acontecimentos, votando e acreditando em quem não presta nem mesmo para limpar um estábulo, quanto mais para querer gerenciar uma cidade, um país ou mesmo o boteco onde dá palpites de graça.Sem educação, sem arte, sem cultura, caminhamos para o nada.

Não cavem mais fundo, tentem escalar. Ensinem, eduquem, demonstrem. Mesmo que não consiga um centavo com isso. Ganhar o sustento é necessário, mas cobrar um pensamento que indique o caminho certo deveria ser de domínio público.

Se começarmos agora, mantendo o foco naqueles que mal sabem ainda falar e que não tem capacidade de pensar por si, não estaríamos fugindo daquele poço sem fundo?
 
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Originalmente publicado no blog Scriptus Est, em 05/10/2009  
sábado, 28 de agosto de 2010

postheadericon monção

Desanuviô dotô,
Os pássaro tão de vorta nas foia das arve
A terra tá fumaceando
A neblina tá subindo pro céu

Os bois eu já sortei, dotô
Tão tudo lá no pasto
Comendo e drumindo,
Acordando e vagando prá ninhum lugá.

As barranca que desceu na chuvarada
Nóis, os peão tamo limpando
Sua estrada vai tá limpa amanha
Nem suja as bota sua muié num vai.

Craro que vai demorá uns pouco
Pra tudo vorta nos lugá
Tem teiado com gotera
Tem cerca prá arrumá.

Só uma coisa num tem cunserto, dotô
Nossos barraco que o sinhô nos cedia
Foi simbora com aquele mar
Todas nossas coisa tá na lama
Virou um brejo nosso quintar
Nóis tudo sabe que o dotô também tem seus pobrema
Que se pudesse havera de nos ajudá
Mas bem queria que o sinhô falasse era com Deus
Aquele qui o dotô tem no altar
Podia dizê pra'Ele que Amâncio, este vosso criado
Está muito chateado e de coração partido
Pois Ele deixou que sua fiinha de 8 mês
Rolasse junto com as traia e o barro fedido.

Mas num se amofe não dotô... Nóis é peão de longa data... daqueles de dormi nu frio do relento.
Mesmo com a alma trincada de sardade da minha menininha.. num havera eu de fazer valê meu talento?
quinta-feira, 26 de agosto de 2010

postheadericon A capacidade de reinventar (*)

Caminhamos para uma nova década e as esperanças de um novo século - que, contrariamente ao que muitos pensam, não iniciou em 2000 e sim em 2001 -, estão tomando emprestadas as cores pastéis das tintas velhas expostas ao sol. Um futuro melhor, um novo horizonte onde os povos acabariam com as guerras,  a fome seria arrotada sem saudades e curas fariam com que os planos de saúde quebrassem por falta de doentes não se concretizaram, e em muitos casos acabaram por piorar.

Tenho a razão do pessimista em minhas análises, geralmente guardadas para mim até que seja perguntado sobre o que penso sobre algo ou alguém. Geralmente erro, mas digamos que estou sempre me preparando para o pior. E o pior é sempre o porvir.

Vejam nossa política: os extremos de um lado e de outro crescem mais que grama depois de chuva de verão. Dessa grama brotam grilos militantes, irritantes em seu coro desfinado, cada um querendo falar mais alto não sobre as qualidades de seu preferido, mas sim das burrices do oponente. Um 'toma lá / dá cá / te devolvo depois' insuportável. A Política hoje é somente partidária, ou seja, da pior espécie. E os grilos continuam sua chata e monótona competição.

Culturalmente nossa decadência é ainda mais óbvia. Ouçam às rádios e me digam se é possível ficar sintonizado em alguma delas que seja comercial e não ficar bestificado com a baixa qualidade musical. Vão dar uma espiada nas obras de arte feitas de sucata e lixo. Leiam as poesias que nada mais são que acessos intelectualóides de ex-amadas(os) amarguradas(os) sofrendo a dor do corno, que Lupicínio, este sim, sabia cantar e poetar de dar dó em quem o ouvia ou lia.

Estamos sofrendo da falta de capacidade de reinventar e reciclar valores antigos, historicamente provados como bons.  Ao invés do rapazinho estudar nossa MPB e seus ícones, copiam o jeito meloso e baixo nível de grupelhos sem qualquer noção do que seja arranjo, melodia e canção.  Leem as orelhas de um livro e tornam-se doutos dos saberes ali contidos, entre capa e contracapa. Acham maravilhoso Godard, mas o que esperam ansiosamente é a Guccy de quatro desamadas, chatas.

Temos que educar. Insistir que nossos filhos leiam e invés de deixá-los assistir Pokemón, por que não um dos clássicos da Disney, que depois podem ser lidos de outras maneiras em livros mil? Escutar Calypso, meu filho, te deixa insano/idiotizado, assim como funk te mostra a pobreza musical em seu extremo. Vá ouvir Maria Rita, por exemplo, uma das poucas representantes da nova MPB que conseguem destaque.
Não é necessário ser patriota nem nacionalista para separar o joio do trigo da boa cultura nacional. Inclusive é completamente démodé taxar pessoas disto ou daquilo, pois a tal liberdade de expressão (sarcasticamente hoje um eufemismo de libertinagem de pensamentos)  lhe permite assumir que tudo seja normal.

Se é assim - podemos acreditar que andar de pés para o alto é normal -, por que então insistem no feio, no pobre, no ridículo? Vamos assumir que podemos ser normais mesmo sendo nostálgicos, saudosistas ou mesmo um desavisado que goste de coisas boas e ensinar aos mais novos que existe sim luz no fim do túnel, que inevitavelmente passa pelo bom-gosto, pelo bom-senso e pela educação.

Eu não acho possível recolocar o Brasil nos trilhos da real brasilidade, onde o samba de roda convivia pacificamente com a música popular e com o bom rock em nossas rádios. Também penso que só aparecerão grandes escritores hoje em dia se ensinarmos secundaristas a ler novos autores. Isso sem falar de pintores que façam poesia em tintas...

Como disse antes, me preparo para o pior. Mas bem lá no fundo, quem sabe, haja esperanças querendo aflorar, mesmo que estejam tão enterradas que não veem a luz do sol há muito, muito tempo.

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* Publicado originalmente no blog Scriptus Est, em Maio de 2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

postheadericon ...

Dou-te um presente indesejado
Meus desejos
Embalados em papel celofane
Com laços de fita ridículos
Flores do campo para enfeitar
Dou-te sentimentos incômodos
Acondicionados mal e porcamente
Em papel reaproveitado
Fita durex lacrando, de lado a lado
Dou-te pensamentos
Esses não precisam de embalagem
Pois são vazios, imerecidos
São teus, e sei do não querer
Desamor, desapego, despedida.
Pega, me leva
Não me quer, me carrega,
Um chaveiro, um clips,
Um elástico de dinheiro
Usa o objeto que me tornei
Por ti, por mim, por nós
Que nunca existiu
Que jamais seremos,
Que para mim, embriagado
Eternamente viveremos
Apaixonados.
terça-feira, 24 de agosto de 2010

postheadericon noites frias


Canta-se o luar
Tido como manifestação plena
Pela natureza pintado
A traço de pena
Mas e a chuva noturna?
Que há contra noites escuras?
Frias, nebulosas,
Raios cortando os céus
Teu amor deitado em teu peito
O aconchego sob lençois...
Beleza existe em quem as vê
Paixão as sente quem as quer
Sob o controle de um único ser
Você.
Mais um sabre de luz divina
Ao céu sem estrelas ilumina
Contamos juntos "um mil, dois mil..."
E vem gritando o trovão
Galopando quilômetros de distância
Logo ali, ruge.
Fraterna noite chuvosa
Que à mesa exibe cartas postas
No candelabro a vela chora
Enquanto ilumina e aquece
A bela noite fria.
Amanhece e o sol aparece
Ou não.
Bela noite fria
Apaixonante em sua luz vazia
Aproxima quem se quer e se ama,
Lava os pesadelos de uma vida
Insana.
domingo, 22 de agosto de 2010

postheadericon uns & outros

Naquele tempo tão distante na memória, havia Uns e Outros.

Uns eram fortes e capazes, Outros nem tanto; muito pelo contrário, eram fracos.

Uns faziam de tudo para que todos, mesmo que Outros estivessem limpos e alimentados, pois necessitavam de massa de manobra.

Outros, acreditando receber de Uns tudo daquilo que precisavam nunca se manifestavam.

Uns eram inteligentes, mesmo quando essa inteligência tinha a finalidade de se utilizar da preguiça mental e da fraqueza de Outros.

Outros sabiam que se fossem contrários a Uns, perderiam as mordomias conquistadas tão... facilmente.

Por essa época apareceram por lá Aqueles que não eram nem Uns nem Outros, sendo, portanto, alheios ao estabelecido subentendido.

Aqueles não gostavam de Uns, por os acharem por demasiado arrogantes e donos das verdades, mesmo tratando-se de déspotas esclarecidos. Mas piores, pensavam Aqueles, eram Outros que se faziam de mortos para receberem suas esmolas.

Não demorou muito para que ocorresse um levante de Uns contra Aqueles. Coragem não faltava a Uns nem a Aqueles, mas quem decidiu a batalha foram Outros: chamaram ao Fulano, que nada tinha a ver com a história e lhe proclamaram Rei, em troca de uma nova bolsa para seus pares.
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Originalmente publicado em "Uns & Outros" -- 2009 -- ISBN: 978-85-60864-23-2
sábado, 21 de agosto de 2010

postheadericon janelas

Janelas tidas como sujas
Cinzas e opacas
Filtram a luz vinda do Guaíba
Iluminam minha alma
Iluminam minha vida
Iluminam o sorriso
Dessa menina
Que comigo caminha

Um passeio pelas marges tortuosas
Um olhar ao por-do-sol
E essa menina tão linda
Que comigo caminha pelo Guaíba
É uma janela na minha alma
Por onde se filtram
Luzes cálidas
Multifacetadas
Coloridas

A que distância estão
As janelas
Os olhos
Que por elas me espreitam
Por decisão as localizo
Perto de meu coração
Dentro de meu peito
Que comigo caminha
Me dando a mão.
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Um caminhar de mãos dadas, em uma tarde qualquer de 2008. Porto Alegre ali, no Gasômetro, deu nisso

postheadericon Bar do Zico

O Bar do Zico fica exatamente na esquina formada pelas ruas da prefeitura e do comércio. Ou seja, um ponto previlegiado que passa de pai para filho desde o avô do atual proprietário.

Bar sujo, esse do Zico. O mobiliário herdado dos tempos da fundação hoje se encontram colados ao chão com cuspe. Entre pés de banquetas de balcão ou debaixo da mesa de bilhar, um arqueólogo citadino poderia descobrir raridades, tamanha quantidade de sujeiras ali depositadas pelos frequentadores.

Nas prateleiras, bebidas empoeiradas, curiosidades colecionadas pelas três gerações (até a bala "perdida" que deu cabo de um tio do pai do atual Zico encontra ali seu espaço), retratos de várias equipes do time do coração.

As mesinhas, dispostas em torno da tal mesa de bilhar cujo pano verde rasgado cria irregularidades sempre motivo de reclamação entre possíveis jogadores, comum a tantos bares, são sem graça e tão encardidas quanto o chão. Em vários pontos, a fórmica descascada vira abrigo a recados das putas que frequentam o lugar de madrugada ("ligue pra mim!").

Como descrito, poderia lhe causar uma sensação ruim ao menos olhar para um antro desses. Mas a realidade não é assim. O Bar do Zico é querido por seus frequentadores. Muitos deles conheceram o Bar ainda novo, com seu balcão lustroso repleto de iguarias -- que iam de ovo colorido a tremosso, passando pelos picles e pela conserva de salsicha.

O Seu Tomé é desses frequentadores. Há 30 anos, tão obrigatória quanto a missa de domingo é a cerveja no Zico.
Sentado a um canto, próximo ao imundo banheiro, baixava o boné de lã sobre os olhos e lá se deixava ficar por horas. A cerveja, trocada de hora em hora -- "Se não estiver gelada é a mesma coisa que beber mijo", era apreciada em pequenos goles. Quem o via pensava que ali estivesse dormindo, mas vez por outra dava um pitaco sobre o assunto corrente, bebia mais um gole de cerveja e tornava-se imóvel por mais longo tempo.

Ontem foi um dia normal para todos. Entramos no Zico depois das cinco da tarde, para tirar da garganta o gosto do trabalho do dia. Uma partidinha de sinuca, para aliviar os nervos. Nas bocas o jogo de ontem a noite, onde meu tiome tomou quatro gols e foi eliminado.
Seu Tomé participou da conversa mais do que o normal. Elogiou o ataque que desmontou minha zaga. Disse-me para ser homem e trocar de time. Teve a pachorra de cantar vitória. Mandei-o sonoramente a merda.

Pela primeira vez o vi de pé: baixinho, quase corcunda, com um terno que deveria ser de seu casamento. Veio até a mesa, apanhou meu taco, matou todas as bolas e voltou para sua cadeira. De lá, disse: "Tenho muito ainda para ensinar, mas pouco tempo. Sei mais que vocês todos juntos. De bilhar e de futebol. De mulheres para casar e de mulheres para pagar". Mandou trocarem a cerveja por outra mais gelada, baixou o boné sobre os olhos e nos esqueceu.

Pela manhã, indo para o serviço, passei como passo todos os dias pela frente do Zico. "Fechado por luto" dizia a placa escrita a mão na porta fechada.

Segundo vim a saber depois, quando foram fechar o bar lá pelas 2 da manhã, se deram conta que o Seu Tomé ainda estava lá. O boné sobre os olhos, a cerveja quente. "Dormiu",pensaram. A um toque, seu corpo sem vida caiu de lado, indo ao chão. Morreu dormindo, a cerveja gelada, o corpo gelado.

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Originalmente publicado em "Uns & Outros" -- 2009 -- ISBN: 978-85-60864-23-2
sexta-feira, 20 de agosto de 2010

postheadericon ...

Meu dia tem sorriso, sabe como é?
Um amarelo sol de dentes aparentes
E eu, de tão pouca ou nenhuma fé
Vejo Eva se enroscar com serpentes.

postheadericon encontro

Quando antes pensávamos possuir o muito
O quase nada em tua ausência havia
Precisei te encontrar em ruas escuras
Sujas
e Veladas
De minha alma infeliz e apagada.
Na plenitude de uma paixão insana
Um amor louco pouco planejado
Um eterno seguiremos juntos
Um conjunto de ações ilimitadas.
Somos um agora?
Minha dúvida não é a negativa
Mas o tempo verbal necessário
(e aqui é critério de livre-pensar)
É mais amplo, melhor atemporal,
Pois creio esta minha vida
(antes tão alucinada)
É um grande jogo de cartas marcadas.
Vim com o destino rabiscado
Em forma de poesia por ti concebida.
Sinais eriçados por meu corpo todo,
Gritam em coro de vozes:
Teu nome em mim.
E meu coração rebate em eco
Sou aquele que quer
E que finda
Minha busca em ti.

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